domingo, maio 31, 2009

Ois! Quero compartilhar com vocês uma crônica do Luis Fernando Veríssimo. Essa especialmente me remete a uma experiência quase-morte que tive, que de engraçada não tinha nada, a não ser essa crônica que lia, e ria, mas de desespero mesmo. (...)

Ei-la!



Emergência

É fácil identificar o passageiro de primeira viagem. É o que já entra no avião desconfiado. O cumprimento da aeromoça, na porta do avião, já é um desafio para a sua compreensão.
__ Bom dia...
__ Como assim?
Ele faz questão de sentar num banco de corredor, perto da porta. Para ser o primeiro a sair no caso de alguma coisa dar errado. Tem dificuldade com o cinto de segurança. Não consegue atá-lo. Confidencia para o passageiro ao seu lado:
__ Não encontro o buraquinho. Não tem buraquinho?
Acaba esquecendo a fivela e dando um nó no cinto.
Comenta, com um falsoo riso descontraído: "Até aqui, tudo bem." O passageiro ao lado explica que o avião ainda está parado, mas ele não ouve. A aeromoça vem lhe oferecer um jornal, mas ele recusa.
__ Obrigado. Não bebo.
Quando o avião começa a correr pela pista antes de levantar vôo, ele é aquele com os olhos arregalados e a expressão de Santa Mãe do Céu! no rosto. Com o avião no ar, dá uma espiada pela janela e se arrepende. É a última espiada que dará pela janela.
Mas o pior ainda está por vir. De repente, ele ouve uma misteriosa voz descarnada. Olha para todos os lados para descobrir de onde sai a voz.
"Senhores passageiros, sua atenção, por favor. A seguir, nosso pessoal de bordo fará uma demonstração de rotina do sistema de segurança deste aparelho. Há saídas de emergência na frente, nos dois lados e atrás."
__ Emergência? Que emergência? Quando eu comprei a passagem ninguém falou em nada de emergência. Olha, o meu é sem emergência.
Uma das aeromoças, de pé ao seu lado, tenta acalmá-lo.
__ Isso é apenas rotina, cavalheiro.
__ Odeio a rotina. Aposto que você diz isso para todos. Ai,meu santo.
"No caso de despressurização da cabina, máscaras de oxigênio cairão automaticamente de seus compartimentos."
__ Que história é essa? Que despressurização? Que cabina?
"Puxe a máscara em sua direção. Isto acionará o suprimento de oxigênio. Coloque a máscara sobre o rosto e respire normalmente."
__ Respirar normalmente?! A cabina despressurizada, máscaras de oxigênio caindo sobre nossas cabeças _ e ele quer que a gente respire normalmente.
"Em caso de pouso forçado na água..."
__ O quê?!
"... os assentos de suas cadeiras são flutuantes e poder ser levados para fora do aparelho e..."
__ Essa não! Bancos flutuantes, não! tudo, menos bancos flutuantes!
__ Calma, cavalheiro.
__ Eu desisto! Parem este troço que eu vou descer. Onde é a cordinha? Parem!
__ Cavalheiro, por favor. Fique calmo.
__ Eu estou calmo. Calmíssimo. Você é que está nervosa e, não sei por quê, está tentando arrancar as minhas mãos do pescoço deste cavalheiro ao meu lado. Que, aliás, também parece consternado e levemente azul.
__ Calma! Isso. Pronto. Fique tranquilo. Não vai acontecer nada.
__ Só não quero mais ouvir falar em banco flutuante.
__ Certo. Ninguém mais vai falar em banco flutuante.
Ele se vira para o passageiro ao lado, que tenta desesperadamente recuperar a respiração, e pede desculpas. Perdeu a cabeça.
__ É que banco flutuante é demais. Imagine só. Todo mundo flutuando sentado. Fazendo sala no meio do oceano Atlântico!
A aeromoça diz que vai lhe trazer um calmante e aí mesmo é que ele dá um pulo:
__ Calmante, por quê? O que é que está acontecendo? Vocês estão me escondendo alguma coisa!
Finalmente, a muito custo, conseguem acalmá-lo. Ele fica rígido na cadeira. Recusa tudo que lhe é oferecido. Não quer o almoço. Pergunta se pode receber a sua comida em dinheiro. Deixa cair a cabeça para trás e tenta dormir. Mas, a cada sacudida do avião, abre os olhos e fica cuidando da portinha do compartimento sobre sua cabeça, de onde, a qualquer momento, pode pular uma máscara de oxigênio e matá-lo do coração.
De repente, outra voz. Desta vez é a do comandante.
__ Senhores passageiros, aqui fala o comandante Araújo. Neste momento, à nossa direita, podemos ver a cidade de...
Ele pula outra vez da cadeira e grita para a cabina do piloto:
__ Olha para a frente, Araújo! Olha para a frente!




Luis Fernando Veríssimo, em Mais comédias para ler na escola


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